quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Vou alfabetizar todos eles até o fim do ano"

Encontrei este texto na internet e achei bem interessante. como o que é bom deve ser espalhado, está aí, à disposição de todos vocês para leitura, reflexão e aplicação na sala de aula.
Grande abraço!

PEDAGOGIA


ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Alfabetização inicial

Revista Nova Escola - Edição 204
08/2007

''Vou alfabetizar todos eles até o fim do ano''

Com um planejamento que inclui atividades diversificadas e muito estudo e dedicação,

Mariluci Kamisaka garante que seus alunos, moradores da maior favela de São Paulo,

saiam da 1ª série lendo e escrevendo

Todo dia é dia de ler: Mariluci forma a roda de crianças e lê para elas, sempre

caprichando na intonação para aumentar o interesse. Foto: Tatiana Cardeal

Todo ano, um de cada seis alunos que entram na 1ª série é reprovado. Outros 18%

chegam à 4a série sem terem sido alfabetizados. Essas crianças, condenadas ao

fracasso no início da escolaridade, vêm de famílias que não têm acesso à leitura e à

escrita e, mal atendidas pelo sistema de ensino, acabam permanecendo nessa

situação de exclusão. Em várias escolas brasileiras, porém, há professores dedicados

que não aceitam desculpas extraclasse para não ensinar. NOVA ESCOLA encontrou

três profissionais que acreditam, de fato, que todos podem aprender. As histórias de

Janice Cunha, de Porto Alegre, e Edinelma Ferreira de Souza, de Utinga (BA), você

encontra no nosso site.Nestas páginas, você vai conhecer Mariluci Falco Fernandes

Kamisaka e sua turma de 1ª série da EE Maria Odila Guimarães Bueno, em São

Paulo.

Alfabetizar na 1a série...

- Garante que os alunos avancem no aprendizado da leitura, da escrita e das demais

matérias escolares.

- Evita que o fracasso seja uma marca na vida das crianças já no início da

escolaridade.

Neste ano, ela tem uma turma com 32 crianças, quase todas moradoras da favela de

Heliópolis, a maior da cidade. Elas são filhas de pais com baixa escolaridade e têm

pouco acesso a materiais escritos – o que as diferencia das nascidas em ambientes

em que livros, revistas e jornais circulam naturalmente e em que a leitura é valorizada

e a escrita utilizada no dia-a-dia. Ensinar para essa clientela, que muitos consideram

condenada ao fracasso, não assusta Mariluci. Ao contrário.Com conhecimento teórico,

uma prática bem planejada e muita dedicação, ela tem evitado que seus alunos sigam

na escola e na vida enfrentando dificuldades para fazer da leitura um meio de

aprender, se informar, trabalhar e participar da sociedade em pé de igualdade.

Mariluci não inventou nenhum método revolucionário. Muito do que essa professora de

39 anos faz está descrito nos Indicadores de Qualidade na Educação – Ensino e

Aprendizagem da Leitura e da Escrita, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC),

pela Ação Educativa e por outras entidades ligadas à alfabetização. O documento

defende que os estudantes tenham contato com diferentes tipos de texto, ouçam

histórias todos os dias e observem adultos lendo e escrevendo. Além disso,

recomenda que a escola ofereça uma rotina de trabalho variada e que os professores

os incentivem o tempo todo. No que depender de Mariluci, todos os itens estão

contemplados: “Meus alunos podem e vão aprender. Eu trabalho para que isso

aconteça”.

Da prática de Mariluci fazem parte ao menos quatro situações essenciais – de acordo

com pesquisas da área de didática da alfabetização –, que você acompanha nos

quadros de atividades desta reportagem: a leitura em voz alta feita pela professora

para a turma (leia abaixo), a leitura de textos reais feita pelos que ainda estão

tentando ler, a escrita feita pelos que ainda estão aprendendo o sistema alfabético e a

produção de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam e ela escreve no

quadro.

Atividade

Leitura para a classe

O que é: o professor organiza a turma em uma roda e faz a leitura em voz alta de

diferentes tipos de texto (contos, poemas, notícias, receitas, cartas etc.).

Quando propor: diariamente, tomando o cuidado de trabalhar cada tipo de texto

várias vezes, para que a turma se familiarize com ele, e de variar os gêneros, para que

o repertório se amplie.

O que a criança aprende: esse é o principal canal de acesso ao mundo da escrita,

essencial para os filhos de pais analfabetos ou que têm pouco contato em casa com

livros, revistas e outros materiais. Na atividade, a criança se familiariza com a

linguagem dos livros (onde há histórias que divertem), dos jornais (que trazem

notícias), dos manuais (que ensinam a usar um aparelho) etc.Assim, ela aprende que

cada um é produzido e apresentado de uma forma diferente e, assim, começa a

perceber a diferença entre a língua falada e a escrita.

COMO MARILUCI TRABALHA

Escolha do material: nesse momento diário de contato com materiais impressos,

Mariluci familiariza os alunos com vários tipos de texto. Reportagens de jornal, por

exemplo, têm a função de informar sobre as notícias da cidade, do Brasil e do mundo.

Os folhetos informativos, por sua vez, trazem listas de produtos em oferta nos

supermercados. A escolha do texto é coerente com o objetivo de trabalho que ela

estabelece para cada dia. Os livros infantis, no entanto, têm lugar de destaque na

rotina de Mariluci. Na hora da determinar o que será lido, ela se pauta pela qualidade

literária da obra e não por seu tamanho – livro para crianças pequenas não precisa ser

curto. A professora lê os tradicionais contos de fadas,mas também leva para a sala

histórias de autores atuais.

Organização da turma e apresentação do material: ao propor a formação de uma

roda, ela já sinaliza à turma que a atividade tem uma dinâmica diferente, que

pressupõe interação e diálogo. Mais próximos uns dos outros, porém, os pequenos

podem desviar a atenção com facilidade. Por isso, é essencial garantir que todos se

interessem pela leitura antes de iniciá-la. Quando vai ler um livro de histórias, Mariluci

sempre mostra a ilustração da capa e pergunta quem saberia dizer qual é o

título.Alguns se arriscam baseados na ilustração.Depois que todos já sabem o nome

da obra, ela pede que todos falem de que imaginam tratar o enredo.

Leitura do texto: a professora capricha na entonação – principalmente na fala dos

personagens – para criar dramaticidade e dar ritmo à leitura. A cada trecho importante,

mostra as ilustrações da página para toda a roda. As etapas da trama ganham

também comentários pessoais – “que complicação!” –, num momento de dificuldade

vivido pelo protagonista, e rápidas recapitulações para chamar a atenção no decorrer

da atividade. Mesmo que haja palavras difíceis, ela não faz nenhuma simplificação,

pois é só dessa forma que o vocabulário das crianças se amplia.

Discussão final: a atividade termina com Mariluci abrindo espaço para que todos se

manifestem sobre o que foi lido. No caso do livro de histórias, quais foram os trechos

preferidos? Que partes cada um achou mais engraçadas? Ela sempre pergunta, nesse

momento, se alguém tem alguma dúvida sobre o texto e gostaria de apresentá-la aos

colegas. Assim, vão aparecendo diferentes impressões sobre a trama. A atividade

reproduz o que acontece com os adultos. Quando lemos um livro por prazer, não

respondemos a nenhum questionário, mas sempre fazemos comentários com

parentes e amigos, seja para indicar a leitura, seja para discutir algo polêmico ou

marcante da narrativa.

Em seu planejamento diário – são quatro horas e meia de aula –, ela dedica a maior

parte do tempo à alfabetização. No entanto, garante que haja espaço para Matemática

ou História e Geografia. “Já tive dificuldade de balancear a rotina porque muitas

atividades têm de ser realizadas com freqüência quase diária”, conta Mariluci.“Hoje sei

dosar melhor o tempo e se não consigo dar conta de alguma delas num dia compenso

no outro. O importante é a continuidade.”

Nem sempre, no entanto, suas aulas foram tão organizadas e focadas na

aprendizagem do aluno. Quando Mariluci começou a lecionar, recém-formada em

Pedagogia, em meados dos anos 1980, havia uma linha didática predominante na

alfabetização, a mesma pela qual ela havia sido ensinada quando criança.

O lançamento de A Psicogênese da Língua Escrita, livro de Emilia Ferreiro e Ana

Teberosky, inspirava os primeiros trabalhos feitos por pesquisadores brasileiros. A

novidade conceitual ainda estava distante das salas de aula e poucos sabiam explicar

como de fato as crianças aprendem os degraus pelos quais elas passam durante esse

processo (leia o quadro abaixo). A obra revolucionou a percepção sobre a

alfabetização ao considerar que o ponto de partida da aprendizagem é a própria

criança e permitiu compreender por que a escola conseguia alfabetizar alguns e não

outros.

Teoria

HIPÓTESES DE ESCRITA

De acordo com as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, já replicadas no

mundo inteiro, as crianças elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do

sistema de escrita – com quantas letras se escreve uma palavra, quais são elas e em

que ordem elas aparecem. Na fase em que o aluno adota simplesmente o critério de

que, para escrever, é preciso uma quantidade de letras (no mínimo três) diferentes

entre si, a hipótese é considerada pré-silábica. Quando passa a registrar uma letra

para cada emissão sonora, ela está no nível silábico – inicialmente sem valor sonoro e

depois com a correspondência sonora nas vogais e/ou nas consoantes. Na hipótese

silábico-alfabética, as escritas incluem sílabas representadas com uma única letra e

outras com mais de uma letra. E, finalmente, quando começa a representar cada

fonema com uma letra, considera-se que ele compreende o princípio alfabético de

nossa escrita. No entanto, mesmo nessa fase, os alunos ainda apresentam erros de

ortografia.

Veja como poderia ser a escrita da palavra camiseta de acordo com cada hipótese:

■ Pré-silábica: P B V A Y O

■ Silábica sem valor sonoro: E R F E

■ Silábica com valor sonoro: K I Z T

■ Silábico-alfabética: K A I Z T A

■ Alfabética: C A M I Z E T A

Nesse último exemplo, temos o que já seria considerada uma escrita alfabética, mas

ainda com um erro ortográfico, que precisa ser trabalhado pela professora.

Hoje é amplamente sabido que o que mais pesava era o contato com a escrita no

cotidiano. E, se o aluno tem pouco contato, a aprendizagem fica prejudicada. Os

reflexos dessa situação são sentidos no país. Dados do 5º Indicador de Alfabetismo

Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em 2005, mostram que

74% dos brasileiros adultos não conseguem ler textos longos, relacionar informações

e comparar diferentes materiais escritos. Mesmo entre os que concluíram o Ensino

Médio, 43% não possuem essas habilidades. É a prova de que a escola apenas

perpetua essa exclusão, pois não está ensinando a utilizar a leitura e a escrita para

dar conta das demandas sociais e para continuar aprendendo ao longo da vida – como

o Inaf define o que seja uma pessoa alfabetizada.

Nos anos 1980, para Mariluci – assim como para a massa de professores brasileiros –,

o conhecimento sobre a escrita deveria se dar em etapas: primeiro aprendiam- se as

letras, depois as sílabas e as palavras e só então vinha o trabalho com textos. “Hoje

sabe-se que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre o sistema

de escrita e sobre a linguagem que se escreve, seus usos e funções”, afirma Telma

Weisz, supervisora do programa Letra e Vida, da Secretaria Estadual de Educação de

São Paulo.

As pesquisas iniciadas por Emilia Ferreiro e comprovadas por diversos outros

estudiosos transformaram a compreensão do que é a escrita: em vez de um código a

ser assimilado, é um sistema de representação que cada um reconstrói até estar

plenamente alfabetizado.

Dentro dessa concepção, cabe ao professor diagnosticar em que nível está cada aluno

(leia o quadro) para planejar as aulas e ajudar todos a avançar sempre mais. “O que

me incomodava naquela época era insistir com os alunos no ponto que eles não

compreendiam e não saber contornar a situação com outra abordagem”, lembra

Mariluci. Ainda hoje, muitos professores sofrem ao perceber que alguns estudantes

vão ficando para trás e se sentem impotentes para ajudá-los ou, em alguns casos

extremos, simplesmente desistem dessas crianças como se elas fossem incapazes de

aprender.

Teoria

O VALOR DO DIAGNÓSTICO

Conhecer o nível em que está a turma é essencial durante a alfabetização – e no

decorrer de toda a escolaridade. Percebendo os avanços e as dificuldades dos

pequenos, você consegue planejar uma boa aula e propor atividades adequadas para

levar cada um a se desenvolver ainda mais e chegar ao fim do ano lendo e

escrevendo. Essa avaliação deve ser feita logo no início do ano e repetida no mínimo

uma vez por bimestre.

Para realizá-la adequadamente, é preciso escolher como atividade algo que seja feito

regularmente, como as listas – de frutas, cores, animais etc. “O professor deve,

primeiro, avisar a turma sobre o tema da lista e depois ditar as palavras, sem marcar

as sílabas”, explica a formadora Beatriz Gouveia. Como os alunos já conhecem o tema

que deve ser posto no papel, os alunos podem pensar mais em como escrever

(quantas e quais letras usar, por exemplo).

O Módulo 1 do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do

MEC, traz uma sugestão: ditar uma lista de quatro palavras (uma polissílaba, uma

trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba). É preciso tomar o cuidado para que as

sílabas próximas contenham vogais diferentes. Isso porque a maioria das crianças que

começa a se familiarizar com o sistema de escrita inicia os registros apenas com

vogais e acredita que é necessário usar letras diferentes para escrever. Portanto, se

você ditar “arara”, muitos poderiam querer escrever A A A e achar que isso não faz

sentido.

Como elas acham ainda que as palavras devem ter um número mínimo de letras – por

volta de três –, se você ditar só monossílabos elas também podem se recusar a

escrever. Veja aqui dois exemplos possíveis: itens para um lanche coletivo

(refrigerante, manteiga, queijo, pão) e bichos vistos no zoológico (rinoceronte, camelo,

zebra, boi). Com essas palavras, você provoca o estudante a refletir sobre a forma de

representação.

Terminado o ditado, peça que cada um leia o que escreveu. “Essa leitura é tão ou

mais importante do que a própria escrita, pois é ela que permite ao professor verificar

se o aluno estabelece algum tipo de correspondência entre partes do falado e partes

do escrito”, aponta o Profa. Para finalizar, registre tudo. Com esse material, fica mais

fácil planejar atividades que façam os alunos avançar, acompanhar a evolução de

cada um e montar os agrupamentos produtivos. É preciso lembrar também que, no

dia-a-dia, mesmo sem essa sondagem, é possível verificar como a turma está se

saindo individual e coletivamente.

Desde que teve a oportunidade de fazer uma formação em alfabetização, em 2003, a

professora mudou a forma de ensinar. Além de aprenderem o sistema de escrita, seus

alunos participam de diversas atividades de leitura e produção de texto mesmo sem

terem aprendido isso formalmente. Como? Eles “leem” a letra de uma música que

sabem de cor, ajustando a fala ao que está escrito (leia o quadro). Ao propor

atividades como essa, Mariluci introduz a garotada no universo da escrita.

Atividade

Ler para aprender a ler

O que é: a confrontação da criança com listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) e

textos que ela conhece de cor – como cantigas, parlendas e trava-línguas –, propondo

que neles ela encontre palavras ou “leia” trechos (antes mesmo de estar alfabetizada).

Quando propor: em dias alternados com as atividades de escrita (leia o quadro na

página 41). A atividade deve ser realizada só com alunos não alfabéticos. Para os

alfabetizados, é aconselhável propor outras tarefas de leitura, já que eles conseguem

ler com autonomia.

O que a criança aprende: acompanhando o texto com o dedo enquanto recita os

versos, o aluno busca meios de “descobrir” as palavras fazendo o ajuste do falado

para o escrito. Isso acontece porque ele já sabe “o que” está escrito (condição para a

realização da atividade) e precisa pensar somente no “onde”. Ele reconhece as

primeiras letras e partes de palavras conhecidas ou identifica as que se repetem. Para

isso, ele se vale de estratégias de leitura, como a antecipação. No caso das listas, ele

prevê qual será determinada palavra por já conhecer o tema em questão – frutas,

cores – e, no caso dos textos memorizados, por já saber o que está escrito. Outra

estratégia é a verificação, que consiste na identificação de uma letra conhecida que

esteja no começo ou no fim da palavra e que confirme a antecipação feita.

COMO MARILUCI TRABALHA

Escolha do texto: Mariluci utiliza listas conhecidas pelos pequenos – como a de

nomes da turma, que fica exposta na parede – e textos memorizados, como parlendas

e canções. É condição didática dessa atividade saber o que está escrito para descobrir

onde está escrito.

Proposta de leitura: individualmente ou em duplas, a professora pede que os alunos

encontrem certas palavras em uma lista. Quando trabalha com a letra de uma canção,

por exemplo, ela pede que todos leiam um verso para achar determinada palavra.

Intervenção da professora: durante a tarefa, ela roda pela classe para acompanhar

como cada um ou cada dupla está se saindo e pede que uma criança encontre

determinado termo no texto. “Onde está escrito ‘nariz’?”, questiona sobre o poema A

Foca,de Vinicius de Moraes. A criança mostra a palavra correta, mas Mariluci pede

uma justificativa. “Começa com N”, é a resposta.As perguntas são feitas a diversos

alunos. Depois, ela convida um a um a ler o cartaz com o poema. Novamente,

intervém em dificuldades específicas. Dessa forma, a professora provoca a reflexão e

faz a turma avançar.

Ela compartilha sua rotina com os colegas nas duas semanais de trabalho pedagógico

coletivo, em que a equipe aproveita para estudar o tema. Trocar idéias sobre a prática

é extremamente rico para qualquer professor. A mesma oportunidade Mariluci

proporciona aos estudantes, que podem contar com a ajuda dos colegas de classe,

trabalhando muitas vezes em duplas. A professora se vale com freqüência da

estratégia, que só é produtiva porque ela aprendeu a diagnosticar as hipóteses sobre

a escrita que cada um tem e junta alunos que estão em níveis próximos, fazendo

dessa interação um importante instrumento de aprendizagem (leia mais no quadro).

Teoria

AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS

Para toda criança, confrontar suas idéias com as dos colegas e oferecer e receber

informações é essencial. Essa troca, que leva ao avanço na aprendizagem, precisa

ser bem planejada. É essencial conhecer quanto os alunos já sabem sobre o desafio

que será proposto, já que a organização da turma não pode ser aleatória. “Se o

objetivo é que eles decidam conjuntamente sobre a escrita de um texto, é importante

juntar os que apresentam níveis diferentes, mas próximos entre si, para que haja uma

verdadeira troca”, afirma Beatriz Gouveia. Quando se reúnem crianças de níveis muito

diferentes, acaba-se reproduzindo a situação escolar de “alguém que ‘sabe’ mais que

os demais, obrigando os outros a uma atitude passiva de recepção”, como explica Ana

Teberosky no livro Os Processos de Leitura e Escrita. Assim, numa situação de

escrita, é possível organizar duplas com crianças de níveis diferentes, porém

próximos, como as mostradas a seguir:

■ As de hipótese pré-silábica com as de hipótese silábica sem valor sonoro.

■ As de hipótese silábica sem valor com as de hipótese silábica com valor.

■ As de hipótese silábica com valor com as de hipótese silábico-alfabética.

■ Os já alfabéticos trabalham entre si.

Há os casos em que toda a turma pode atuar na mesma atividade, como a produção

de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam para o professor ou a leitura

pelo professor e posterior discussão pela classe.

O sucesso no trabalho com agrupamentos produtivos depende do tipo de tarefa: ela

deve ser sempre desafiadora para que a turma use tudo o que sabe na sua resolução

e, assim, possa evoluir. Atuar em duplas pressupõe também que as crianças já

conheçam o conteúdo para fazer alguns progressos sem a intervenção direta e

constante do professor (mesmo porque é impossível acompanhar todos, o tempo todo,

em suas carteiras). Lembre: se os grupos têm níveis diferentes, você deve levar isso

em conta também na hora de fazer suas intervenções para que eles estabeleçam

novas relações. Isso vale para as perguntas que você fizer e também para as

informações que der.

“É importante que o professor atue nessas tarefas como um mediador, observando e

intervindo de acordo com as necessidades de cada aluno”, afirma Francisca Izabel

Pereira Maciel, diretora do Centro de Alfabetização. Leitura e Escrita (Ceale), da

Universidade Federal de Minas Gerais. Quando a garotada vai escrever uma cantiga

já memorizada (como a da atividade mostrada no quadro), por exemplo, o ideal é fazer

intervenções específicas para que haja reflexão sobre as letras e palavras a usar.

Atividade

Escrever para aprender a escrever

O que é: a escrita de textos memorizados – como cantigas, parlendas, trava -línguas e

quadrinhas – ou de listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) que podem ser escritos

com lápis e papel ou com letras móveis.

Quando propor: em dias alternados com as atividades de leitura para reflexão sobre

o sistema de escrita (leia o quadro na página 38). A atividade deve ser realizada com

alunos não alfabéticos. Para os alfabetizados, é aconselhável propor um trabalho

sobre ortografia ou pontuação, uma vez que eles já sabem escrever.

O que a criança aprende: concentrada apenas no sistema de escrita – pois o

conteúdo ela já sabe de cor –, a criança pode se voltar apenas ao “como escrever”,

pensando em quantas e quais letras usar. Ela se esforça para encontrar formas de

representar graficamente o que necessita redigir, avançando no processo de

alfabetização.

COMO MARILUCI TRABALHA

Organização da turma: a produção escrita é uma atividade em que a formação de

agrupamentos produtivos tem ótimo resultado. Mariluci junta crianças com níveis

próximos.Argumentando com o colega e trocando idéias, a criança não só consegue

organizar sua concepção sobre a escrita como também repensá-la.

Desenvolvimento da atividade: em uma das aulas do mês de junho, a professora

sugeriu que a turma escrevesse a letra da música Cai, Cai, Balão, já memorizada por

todos. O desafio era escolher letras e formar as palavras necessárias para compor o

texto com a ajuda do parceiro. Ao ver o colega começar o primeiro verso com A –

quando deveria ser escrita a palavra “cai” –, uma menina sinalizou que não era essa a

letra.“Coloca o C de cai!”, disse ela, encontrando certa desconfiança do parceiro.

Mariluci interveio, pedindo que o aluno comparasse a palavra “cai” com um dos nomes

da turma – Carina. “O começo das duas palavras não é parecido?”, perguntou. Dessa

forma, os dois concordaram, escreveram a palavra e passaram adiante na tarefa.

Confirmar o que está escrito: uma última etapa é fundamental nessa atividade: a

professora pede que os alunos leiam o que acabaram de produzir. Assim, há espaço

para problematizar a diferença entre o que se lê e o que se escreve. Ela passa ao

menos uma vez pelas carteiras no decorrer do trabalho. Ao perguntar a uma dupla o

que já tinha escrito, soube que os três primeiros versos estavam ali representados.“E

onde está escrito mão?”, indagou. Os dois se entreolharam. Um deles mostrou: “NU”.

“Com que letra começa ‘mão’?”, perguntou Mariluci. “Com M!”, respondeu o outro

aluno. “Não está faltando letra nesse verso, então?”, questionou ela, liberando os dois

para discutir os próximos passos. Permitindo que os alunos trabalhem em dupla, ela

deixa de ser a única informante válida na classe e ganha mobilidade para dar atenção

a quem precisa de mais ajuda.

Para os alfabéticos – que vão se tornando mais numerosos com o passar do ano –,

essa atividade tem outro objetivo, já que eles sabem escrever. Trabalhando entre si,

eles devem melhorar a ortografia e a segmentação – é comum escreverem as

palavras corretamente, mas juntando umas às outras. Quando passa nesses grupos

para acompanhar o andamento da tarefa e vê que há erros ortográficos, Mariluci

convida os estudantes a consultar o dicionário.Assim, ela não corrige, mas ensina a

buscar a grafia correta.

Momentos de leitura e escrita individuais também fazem parte do planejamento porque

é necessário que cada aluno tenha espaço para desenvolver as próprias idéias. Isso

acontece, por exemplo, no cantinho de leitura, que a turma freqüenta diariamente, nos

intervalos entre as atividades ou nos momentos especialmente destinados a isso.

É nesse espaço que ficam reunidos materiais como livros, jornais, folhetos de

propaganda e enciclopédias. “Ofereço uma diversidade de textos à qual eles

dificilmente teriam acesso”, diz a professora (leia mais no quadro). Toda semana, as

crianças podem escolher uma obra e levá-la para casa com a recomendação de ler

com os familiares. A importância desse momento é enfatizada nas reuniões de pais,

em que Mariluci os incentiva também a acompanhar o progresso dos filhos pelos

cadernos. “Digo que as crianças vão sentir que o empenho em aprender está sendo

reconhecido.”

Teoria

ACESSO À DIVERSIDADE DE TEXTOS

Para grande parte das crianças brasileiras, a escola representa o único meio de

contato com o universo da escrita. Assim, cabe a você garantir a elas o acesso à

maior diversidade possível de textos – literatura, reportagens, manuais de instruções,

anúncios publicitários etc. Mais do que isso, é necessário apresentá-los no contexto

em que são utilizados. Só assim os estudantes saberão como lidar de maneira

adequada com cada um deles no dia-a-dia. “A criança deve saber que, socialmente,

textos literários costumam ser lidos por prazer, diferentemente de um manual de

montagem de um produto, que tem o objetivo prático de fazê-lo funcionar

corretamente”, afirma Beatriz Gouveia.

Nas aulas, é necessário mostrar que um livro de literatura se lê passando página por

página e olhando as ilustrações até chegar ao fim e que um dicionário – que também

tem a forma de um livro – é útil para verificar a grafia das palavras. Já o jornal pode

ser consultado, por exemplo, quando se quer ler uma notícia. Até mesmo o rótulo de

um produto pressupõe comportamentos leitores específicos: ali podem ser buscados

os ingredientes e o valor nutricional.

Sua tarefa é formar pessoas que tenham familiaridade com a leitura e seus propósitos,

ou seja, que compreendam o que lêem e enxerguem nela uma maneira de se informar

e se desenvolver pessoalmente

No dia em que a garotada traz os livros de volta para a classe, ela organiza uma roda

de conversa e até quem ainda não está alfabetizado conta a história para os colegas,

como se estivesse lendo. “A criança que lê sem estar alfabética não está brincando de

faz-deconta. Ela está se apoiando na experiência do professor e no conhecimento da

postura de quem lê”, explica Francisca Maciel. Ou seja, imita um gesto porque já sabe

que ele faz sentido e é parte do aprendizado.

Desenvolver esse comportamento leitor só é possível com atividades diárias.Ninguém

vai saber como são escritas (e como se leem) uma notícia de jornal ou uma receita de

bolo se nunca tiver ouvido uma antes. Por isso, mesmo quem não sabe escrever

convencionalmente é capaz de ditar um conto de fadas (leia o quadro). A prática de

tantas atividades, aliada à atenção constante ao desempenho de cada um, tem feito

os alunos de Mariluci avançar. Ela iniciou o trabalho, em março, com o seguinte

quadro: seis dos 32 estavam no nível pré-silábico, 14 eram silábicos sem valor sonoro,

oito silábicos com valor sonoro e só quatro silábico-alfabéticos.

Atividade

Ditado para escriba

O que é: a turma cria oralmente um texto num gênero específico – conto, carta,

bilhete, receita, notícia etc. –, mesmo sem estar alfabetizada, e a professora escreve

no quadro. É condição didática para a atividade as crianças conhecerem o gênero.

Dessa forma, mesmo sem saber definir o que são uma carta ou um conto de fadas, a

criança sabe diferenciá-los.

Quando propor: várias vezes por semana. Sempre que o uso da escrita se fizer

necessário no dia-a-dia da sala de aula (escrita de bilhetes, convites etc.) e no

desenvolvimento de projetos de leitura e escrita.

O que a criança aprende: ela se aprimora na linguagem escrita ao adaptar a

linguagem oral (mais coloquial) às exigências de um texto no que se refere às suas

características. Há ainda o trabalho de revisão dessa produção, eliminando palavras

repetidas.

COMO MARILUCI TRABALHA

Proposta da atividade: antes de convidar a turma a produzir coletivamente um conto

de fadas já conhecido, Mariluci faz um aquecimento, pedindo que todos relembrem as

características do gênero. O conto geralmente se passa num tempo distante e num

local indefinido e traz adjetivos como “belo” e “terrível”.

A escrita de Chapeuzinho: na hora em que Mariluci pediu para a garotada ditar

Chapeuzinho Vermelho, logo apareceram exemplos de expressões e vocabulário

adquiridos com as leituras feitas por ela em classe. O começo, como era de esperar,

foi “era uma vez”. Como a garotada já conhecia o enredo, o desafio era organizar as

sugestões, fazendo perguntas para que a turma recontasse a história ditando na forma

de texto. Enquanto escrevia no quadro, ela garantia que todos articipassem.

Revisão e conclusão: durante a escrita, Mariluci propõe diversas discussões com os

alunos. Expressões típicas da linguagem oral, como “e daí”, são substituídas por

“depois” ou simplesmente retiradas. Esse tipo de atividade é importante para que a

garotada, mesmo sem dominar ainda o sistema de escrita, aprenda a compor um texto

escrito, seja ele de que gênero for. No fim, ela propõe a releitura e a revisão do que se

escreveu para identificar possíveis erros e também formas de melhorar o texto.

No fim do primeiro semestre, eram 31 crianças – uma foi transferida – na seguinte

situação: uma pré-silábica, 13 silábicas com valor sonoro, três silábico-alfabéticas e 14

alfabéticas. Seu compromisso é chegar em dezembro com todos os alunos

alfabetizados, como tem ocorrido nos últimos anos, aliás. Inspirar-se no exemplo de

Mariluci (e das outras professoras que aparecem no site) é fundamental para o Brasil

superar o atraso educacional– e passar a acreditar que há esperança para nossas

crianças.

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