Encontrei este texto na internet e achei bem interessante. como o que é bom deve ser espalhado, está aí, à disposição de todos vocês para leitura, reflexão e aplicação na sala de aula.
Grande abraço!
PEDAGOGIA
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Alfabetização inicial
Revista Nova Escola - Edição 204
08/2007
''Vou alfabetizar todos eles até o fim do ano''
Com um planejamento que inclui atividades diversificadas e muito estudo e dedicação,
Mariluci Kamisaka garante que seus alunos, moradores da maior favela de São Paulo,
saiam da 1ª série lendo e escrevendo
Todo dia é dia de ler: Mariluci forma a roda de crianças e lê para elas, sempre
caprichando na intonação para aumentar o interesse. Foto: Tatiana Cardeal
Todo ano, um de cada seis alunos que entram na 1ª série é reprovado. Outros 18%
chegam à 4a série sem terem sido alfabetizados. Essas crianças, condenadas ao
fracasso no início da escolaridade, vêm de famílias que não têm acesso à leitura e à
escrita e, mal atendidas pelo sistema de ensino, acabam permanecendo nessa
situação de exclusão. Em várias escolas brasileiras, porém, há professores dedicados
que não aceitam desculpas extraclasse para não ensinar. NOVA ESCOLA encontrou
três profissionais que acreditam, de fato, que todos podem aprender. As histórias de
Janice Cunha, de Porto Alegre, e Edinelma Ferreira de Souza, de Utinga (BA), você
encontra no nosso site.Nestas páginas, você vai conhecer Mariluci Falco Fernandes
Kamisaka e sua turma de 1ª série da EE Maria Odila Guimarães Bueno, em São
Paulo.
Alfabetizar na 1a série...
- Garante que os alunos avancem no aprendizado da leitura, da escrita e das demais
matérias escolares.
- Evita que o fracasso seja uma marca na vida das crianças já no início da
escolaridade.
Neste ano, ela tem uma turma com 32 crianças, quase todas moradoras da favela de
Heliópolis, a maior da cidade. Elas são filhas de pais com baixa escolaridade e têm
pouco acesso a materiais escritos – o que as diferencia das nascidas em ambientes
em que livros, revistas e jornais circulam naturalmente e em que a leitura é valorizada
e a escrita utilizada no dia-a-dia. Ensinar para essa clientela, que muitos consideram
condenada ao fracasso, não assusta Mariluci. Ao contrário.Com conhecimento teórico,
uma prática bem planejada e muita dedicação, ela tem evitado que seus alunos sigam
na escola e na vida enfrentando dificuldades para fazer da leitura um meio de
aprender, se informar, trabalhar e participar da sociedade em pé de igualdade.
Mariluci não inventou nenhum método revolucionário. Muito do que essa professora de
39 anos faz está descrito nos Indicadores de Qualidade na Educação – Ensino e
Aprendizagem da Leitura e da Escrita, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC),
pela Ação Educativa e por outras entidades ligadas à alfabetização. O documento
defende que os estudantes tenham contato com diferentes tipos de texto, ouçam
histórias todos os dias e observem adultos lendo e escrevendo. Além disso,
recomenda que a escola ofereça uma rotina de trabalho variada e que os professores
os incentivem o tempo todo. No que depender de Mariluci, todos os itens estão
contemplados: “Meus alunos podem e vão aprender. Eu trabalho para que isso
aconteça”.
Da prática de Mariluci fazem parte ao menos quatro situações essenciais – de acordo
com pesquisas da área de didática da alfabetização –, que você acompanha nos
quadros de atividades desta reportagem: a leitura em voz alta feita pela professora
para a turma (leia abaixo), a leitura de textos reais feita pelos que ainda estão
tentando ler, a escrita feita pelos que ainda estão aprendendo o sistema alfabético e a
produção de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam e ela escreve no
quadro.
Atividade
Leitura para a classe
O que é: o professor organiza a turma em uma roda e faz a leitura em voz alta de
diferentes tipos de texto (contos, poemas, notícias, receitas, cartas etc.).
Quando propor: diariamente, tomando o cuidado de trabalhar cada tipo de texto
várias vezes, para que a turma se familiarize com ele, e de variar os gêneros, para que
o repertório se amplie.
O que a criança aprende: esse é o principal canal de acesso ao mundo da escrita,
essencial para os filhos de pais analfabetos ou que têm pouco contato em casa com
livros, revistas e outros materiais. Na atividade, a criança se familiariza com a
linguagem dos livros (onde há histórias que divertem), dos jornais (que trazem
notícias), dos manuais (que ensinam a usar um aparelho) etc.Assim, ela aprende que
cada um é produzido e apresentado de uma forma diferente e, assim, começa a
perceber a diferença entre a língua falada e a escrita.
COMO MARILUCI TRABALHA
Escolha do material: nesse momento diário de contato com materiais impressos,
Mariluci familiariza os alunos com vários tipos de texto. Reportagens de jornal, por
exemplo, têm a função de informar sobre as notícias da cidade, do Brasil e do mundo.
Os folhetos informativos, por sua vez, trazem listas de produtos em oferta nos
supermercados. A escolha do texto é coerente com o objetivo de trabalho que ela
estabelece para cada dia. Os livros infantis, no entanto, têm lugar de destaque na
rotina de Mariluci. Na hora da determinar o que será lido, ela se pauta pela qualidade
literária da obra e não por seu tamanho – livro para crianças pequenas não precisa ser
curto. A professora lê os tradicionais contos de fadas,mas também leva para a sala
histórias de autores atuais.
Organização da turma e apresentação do material: ao propor a formação de uma
roda, ela já sinaliza à turma que a atividade tem uma dinâmica diferente, que
pressupõe interação e diálogo. Mais próximos uns dos outros, porém, os pequenos
podem desviar a atenção com facilidade. Por isso, é essencial garantir que todos se
interessem pela leitura antes de iniciá-la. Quando vai ler um livro de histórias, Mariluci
sempre mostra a ilustração da capa e pergunta quem saberia dizer qual é o
título.Alguns se arriscam baseados na ilustração.Depois que todos já sabem o nome
da obra, ela pede que todos falem de que imaginam tratar o enredo.
Leitura do texto: a professora capricha na entonação – principalmente na fala dos
personagens – para criar dramaticidade e dar ritmo à leitura. A cada trecho importante,
mostra as ilustrações da página para toda a roda. As etapas da trama ganham
também comentários pessoais – “que complicação!” –, num momento de dificuldade
vivido pelo protagonista, e rápidas recapitulações para chamar a atenção no decorrer
da atividade. Mesmo que haja palavras difíceis, ela não faz nenhuma simplificação,
pois é só dessa forma que o vocabulário das crianças se amplia.
Discussão final: a atividade termina com Mariluci abrindo espaço para que todos se
manifestem sobre o que foi lido. No caso do livro de histórias, quais foram os trechos
preferidos? Que partes cada um achou mais engraçadas? Ela sempre pergunta, nesse
momento, se alguém tem alguma dúvida sobre o texto e gostaria de apresentá-la aos
colegas. Assim, vão aparecendo diferentes impressões sobre a trama. A atividade
reproduz o que acontece com os adultos. Quando lemos um livro por prazer, não
respondemos a nenhum questionário, mas sempre fazemos comentários com
parentes e amigos, seja para indicar a leitura, seja para discutir algo polêmico ou
marcante da narrativa.
Em seu planejamento diário – são quatro horas e meia de aula –, ela dedica a maior
parte do tempo à alfabetização. No entanto, garante que haja espaço para Matemática
ou História e Geografia. “Já tive dificuldade de balancear a rotina porque muitas
atividades têm de ser realizadas com freqüência quase diária”, conta Mariluci.“Hoje sei
dosar melhor o tempo e se não consigo dar conta de alguma delas num dia compenso
no outro. O importante é a continuidade.”
Nem sempre, no entanto, suas aulas foram tão organizadas e focadas na
aprendizagem do aluno. Quando Mariluci começou a lecionar, recém-formada em
Pedagogia, em meados dos anos 1980, havia uma linha didática predominante na
alfabetização, a mesma pela qual ela havia sido ensinada quando criança.
O lançamento de A Psicogênese da Língua Escrita, livro de Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky, inspirava os primeiros trabalhos feitos por pesquisadores brasileiros. A
novidade conceitual ainda estava distante das salas de aula e poucos sabiam explicar
como de fato as crianças aprendem os degraus pelos quais elas passam durante esse
processo (leia o quadro abaixo). A obra revolucionou a percepção sobre a
alfabetização ao considerar que o ponto de partida da aprendizagem é a própria
criança e permitiu compreender por que a escola conseguia alfabetizar alguns e não
outros.
Teoria
HIPÓTESES DE ESCRITA
De acordo com as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, já replicadas no
mundo inteiro, as crianças elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do
sistema de escrita – com quantas letras se escreve uma palavra, quais são elas e em
que ordem elas aparecem. Na fase em que o aluno adota simplesmente o critério de
que, para escrever, é preciso uma quantidade de letras (no mínimo três) diferentes
entre si, a hipótese é considerada pré-silábica. Quando passa a registrar uma letra
para cada emissão sonora, ela está no nível silábico – inicialmente sem valor sonoro e
depois com a correspondência sonora nas vogais e/ou nas consoantes. Na hipótese
silábico-alfabética, as escritas incluem sílabas representadas com uma única letra e
outras com mais de uma letra. E, finalmente, quando começa a representar cada
fonema com uma letra, considera-se que ele compreende o princípio alfabético de
nossa escrita. No entanto, mesmo nessa fase, os alunos ainda apresentam erros de
ortografia.
Veja como poderia ser a escrita da palavra camiseta de acordo com cada hipótese:
■ Pré-silábica: P B V A Y O
■ Silábica sem valor sonoro: E R F E
■ Silábica com valor sonoro: K I Z T
■ Silábico-alfabética: K A I Z T A
■ Alfabética: C A M I Z E T A
Nesse último exemplo, temos o que já seria considerada uma escrita alfabética, mas
ainda com um erro ortográfico, que precisa ser trabalhado pela professora.
Hoje é amplamente sabido que o que mais pesava era o contato com a escrita no
cotidiano. E, se o aluno tem pouco contato, a aprendizagem fica prejudicada. Os
reflexos dessa situação são sentidos no país. Dados do 5º Indicador de Alfabetismo
Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em 2005, mostram que
74% dos brasileiros adultos não conseguem ler textos longos, relacionar informações
e comparar diferentes materiais escritos. Mesmo entre os que concluíram o Ensino
Médio, 43% não possuem essas habilidades. É a prova de que a escola apenas
perpetua essa exclusão, pois não está ensinando a utilizar a leitura e a escrita para
dar conta das demandas sociais e para continuar aprendendo ao longo da vida – como
o Inaf define o que seja uma pessoa alfabetizada.
Nos anos 1980, para Mariluci – assim como para a massa de professores brasileiros –,
o conhecimento sobre a escrita deveria se dar em etapas: primeiro aprendiam- se as
letras, depois as sílabas e as palavras e só então vinha o trabalho com textos. “Hoje
sabe-se que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre o sistema
de escrita e sobre a linguagem que se escreve, seus usos e funções”, afirma Telma
Weisz, supervisora do programa Letra e Vida, da Secretaria Estadual de Educação de
São Paulo.
As pesquisas iniciadas por Emilia Ferreiro e comprovadas por diversos outros
estudiosos transformaram a compreensão do que é a escrita: em vez de um código a
ser assimilado, é um sistema de representação que cada um reconstrói até estar
plenamente alfabetizado.
Dentro dessa concepção, cabe ao professor diagnosticar em que nível está cada aluno
(leia o quadro) para planejar as aulas e ajudar todos a avançar sempre mais. “O que
me incomodava naquela época era insistir com os alunos no ponto que eles não
compreendiam e não saber contornar a situação com outra abordagem”, lembra
Mariluci. Ainda hoje, muitos professores sofrem ao perceber que alguns estudantes
vão ficando para trás e se sentem impotentes para ajudá-los ou, em alguns casos
extremos, simplesmente desistem dessas crianças como se elas fossem incapazes de
aprender.
Teoria
O VALOR DO DIAGNÓSTICO
Conhecer o nível em que está a turma é essencial durante a alfabetização – e no
decorrer de toda a escolaridade. Percebendo os avanços e as dificuldades dos
pequenos, você consegue planejar uma boa aula e propor atividades adequadas para
levar cada um a se desenvolver ainda mais e chegar ao fim do ano lendo e
escrevendo. Essa avaliação deve ser feita logo no início do ano e repetida no mínimo
uma vez por bimestre.
Para realizá-la adequadamente, é preciso escolher como atividade algo que seja feito
regularmente, como as listas – de frutas, cores, animais etc. “O professor deve,
primeiro, avisar a turma sobre o tema da lista e depois ditar as palavras, sem marcar
as sílabas”, explica a formadora Beatriz Gouveia. Como os alunos já conhecem o tema
que deve ser posto no papel, os alunos podem pensar mais em como escrever
(quantas e quais letras usar, por exemplo).
O Módulo 1 do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do
MEC, traz uma sugestão: ditar uma lista de quatro palavras (uma polissílaba, uma
trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba). É preciso tomar o cuidado para que as
sílabas próximas contenham vogais diferentes. Isso porque a maioria das crianças que
começa a se familiarizar com o sistema de escrita inicia os registros apenas com
vogais e acredita que é necessário usar letras diferentes para escrever. Portanto, se
você ditar “arara”, muitos poderiam querer escrever A A A e achar que isso não faz
sentido.
Como elas acham ainda que as palavras devem ter um número mínimo de letras – por
volta de três –, se você ditar só monossílabos elas também podem se recusar a
escrever. Veja aqui dois exemplos possíveis: itens para um lanche coletivo
(refrigerante, manteiga, queijo, pão) e bichos vistos no zoológico (rinoceronte, camelo,
zebra, boi). Com essas palavras, você provoca o estudante a refletir sobre a forma de
representação.
Terminado o ditado, peça que cada um leia o que escreveu. “Essa leitura é tão ou
mais importante do que a própria escrita, pois é ela que permite ao professor verificar
se o aluno estabelece algum tipo de correspondência entre partes do falado e partes
do escrito”, aponta o Profa. Para finalizar, registre tudo. Com esse material, fica mais
fácil planejar atividades que façam os alunos avançar, acompanhar a evolução de
cada um e montar os agrupamentos produtivos. É preciso lembrar também que, no
dia-a-dia, mesmo sem essa sondagem, é possível verificar como a turma está se
saindo individual e coletivamente.
Desde que teve a oportunidade de fazer uma formação em alfabetização, em 2003, a
professora mudou a forma de ensinar. Além de aprenderem o sistema de escrita, seus
alunos participam de diversas atividades de leitura e produção de texto mesmo sem
terem aprendido isso formalmente. Como? Eles “leem” a letra de uma música que
sabem de cor, ajustando a fala ao que está escrito (leia o quadro). Ao propor
atividades como essa, Mariluci introduz a garotada no universo da escrita.
Atividade
Ler para aprender a ler
O que é: a confrontação da criança com listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) e
textos que ela conhece de cor – como cantigas, parlendas e trava-línguas –, propondo
que neles ela encontre palavras ou “leia” trechos (antes mesmo de estar alfabetizada).
Quando propor: em dias alternados com as atividades de escrita (leia o quadro na
página 41). A atividade deve ser realizada só com alunos não alfabéticos. Para os
alfabetizados, é aconselhável propor outras tarefas de leitura, já que eles conseguem
ler com autonomia.
O que a criança aprende: acompanhando o texto com o dedo enquanto recita os
versos, o aluno busca meios de “descobrir” as palavras fazendo o ajuste do falado
para o escrito. Isso acontece porque ele já sabe “o que” está escrito (condição para a
realização da atividade) e precisa pensar somente no “onde”. Ele reconhece as
primeiras letras e partes de palavras conhecidas ou identifica as que se repetem. Para
isso, ele se vale de estratégias de leitura, como a antecipação. No caso das listas, ele
prevê qual será determinada palavra por já conhecer o tema em questão – frutas,
cores – e, no caso dos textos memorizados, por já saber o que está escrito. Outra
estratégia é a verificação, que consiste na identificação de uma letra conhecida que
esteja no começo ou no fim da palavra e que confirme a antecipação feita.
COMO MARILUCI TRABALHA
Escolha do texto: Mariluci utiliza listas conhecidas pelos pequenos – como a de
nomes da turma, que fica exposta na parede – e textos memorizados, como parlendas
e canções. É condição didática dessa atividade saber o que está escrito para descobrir
onde está escrito.
Proposta de leitura: individualmente ou em duplas, a professora pede que os alunos
encontrem certas palavras em uma lista. Quando trabalha com a letra de uma canção,
por exemplo, ela pede que todos leiam um verso para achar determinada palavra.
Intervenção da professora: durante a tarefa, ela roda pela classe para acompanhar
como cada um ou cada dupla está se saindo e pede que uma criança encontre
determinado termo no texto. “Onde está escrito ‘nariz’?”, questiona sobre o poema A
Foca,de Vinicius de Moraes. A criança mostra a palavra correta, mas Mariluci pede
uma justificativa. “Começa com N”, é a resposta.As perguntas são feitas a diversos
alunos. Depois, ela convida um a um a ler o cartaz com o poema. Novamente,
intervém em dificuldades específicas. Dessa forma, a professora provoca a reflexão e
faz a turma avançar.
Ela compartilha sua rotina com os colegas nas duas semanais de trabalho pedagógico
coletivo, em que a equipe aproveita para estudar o tema. Trocar idéias sobre a prática
é extremamente rico para qualquer professor. A mesma oportunidade Mariluci
proporciona aos estudantes, que podem contar com a ajuda dos colegas de classe,
trabalhando muitas vezes em duplas. A professora se vale com freqüência da
estratégia, que só é produtiva porque ela aprendeu a diagnosticar as hipóteses sobre
a escrita que cada um tem e junta alunos que estão em níveis próximos, fazendo
dessa interação um importante instrumento de aprendizagem (leia mais no quadro).
Teoria
AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS
Para toda criança, confrontar suas idéias com as dos colegas e oferecer e receber
informações é essencial. Essa troca, que leva ao avanço na aprendizagem, precisa
ser bem planejada. É essencial conhecer quanto os alunos já sabem sobre o desafio
que será proposto, já que a organização da turma não pode ser aleatória. “Se o
objetivo é que eles decidam conjuntamente sobre a escrita de um texto, é importante
juntar os que apresentam níveis diferentes, mas próximos entre si, para que haja uma
verdadeira troca”, afirma Beatriz Gouveia. Quando se reúnem crianças de níveis muito
diferentes, acaba-se reproduzindo a situação escolar de “alguém que ‘sabe’ mais que
os demais, obrigando os outros a uma atitude passiva de recepção”, como explica Ana
Teberosky no livro Os Processos de Leitura e Escrita. Assim, numa situação de
escrita, é possível organizar duplas com crianças de níveis diferentes, porém
próximos, como as mostradas a seguir:
■ As de hipótese pré-silábica com as de hipótese silábica sem valor sonoro.
■ As de hipótese silábica sem valor com as de hipótese silábica com valor.
■ As de hipótese silábica com valor com as de hipótese silábico-alfabética.
■ Os já alfabéticos trabalham entre si.
Há os casos em que toda a turma pode atuar na mesma atividade, como a produção
de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam para o professor ou a leitura
pelo professor e posterior discussão pela classe.
O sucesso no trabalho com agrupamentos produtivos depende do tipo de tarefa: ela
deve ser sempre desafiadora para que a turma use tudo o que sabe na sua resolução
e, assim, possa evoluir. Atuar em duplas pressupõe também que as crianças já
conheçam o conteúdo para fazer alguns progressos sem a intervenção direta e
constante do professor (mesmo porque é impossível acompanhar todos, o tempo todo,
em suas carteiras). Lembre: se os grupos têm níveis diferentes, você deve levar isso
em conta também na hora de fazer suas intervenções para que eles estabeleçam
novas relações. Isso vale para as perguntas que você fizer e também para as
informações que der.
“É importante que o professor atue nessas tarefas como um mediador, observando e
intervindo de acordo com as necessidades de cada aluno”, afirma Francisca Izabel
Pereira Maciel, diretora do Centro de Alfabetização. Leitura e Escrita (Ceale), da
Universidade Federal de Minas Gerais. Quando a garotada vai escrever uma cantiga
já memorizada (como a da atividade mostrada no quadro), por exemplo, o ideal é fazer
intervenções específicas para que haja reflexão sobre as letras e palavras a usar.
Atividade
Escrever para aprender a escrever
O que é: a escrita de textos memorizados – como cantigas, parlendas, trava -línguas e
quadrinhas – ou de listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) que podem ser escritos
com lápis e papel ou com letras móveis.
Quando propor: em dias alternados com as atividades de leitura para reflexão sobre
o sistema de escrita (leia o quadro na página 38). A atividade deve ser realizada com
alunos não alfabéticos. Para os alfabetizados, é aconselhável propor um trabalho
sobre ortografia ou pontuação, uma vez que eles já sabem escrever.
O que a criança aprende: concentrada apenas no sistema de escrita – pois o
conteúdo ela já sabe de cor –, a criança pode se voltar apenas ao “como escrever”,
pensando em quantas e quais letras usar. Ela se esforça para encontrar formas de
representar graficamente o que necessita redigir, avançando no processo de
alfabetização.
COMO MARILUCI TRABALHA
Organização da turma: a produção escrita é uma atividade em que a formação de
agrupamentos produtivos tem ótimo resultado. Mariluci junta crianças com níveis
próximos.Argumentando com o colega e trocando idéias, a criança não só consegue
organizar sua concepção sobre a escrita como também repensá-la.
Desenvolvimento da atividade: em uma das aulas do mês de junho, a professora
sugeriu que a turma escrevesse a letra da música Cai, Cai, Balão, já memorizada por
todos. O desafio era escolher letras e formar as palavras necessárias para compor o
texto com a ajuda do parceiro. Ao ver o colega começar o primeiro verso com A –
quando deveria ser escrita a palavra “cai” –, uma menina sinalizou que não era essa a
letra.“Coloca o C de cai!”, disse ela, encontrando certa desconfiança do parceiro.
Mariluci interveio, pedindo que o aluno comparasse a palavra “cai” com um dos nomes
da turma – Carina. “O começo das duas palavras não é parecido?”, perguntou. Dessa
forma, os dois concordaram, escreveram a palavra e passaram adiante na tarefa.
Confirmar o que está escrito: uma última etapa é fundamental nessa atividade: a
professora pede que os alunos leiam o que acabaram de produzir. Assim, há espaço
para problematizar a diferença entre o que se lê e o que se escreve. Ela passa ao
menos uma vez pelas carteiras no decorrer do trabalho. Ao perguntar a uma dupla o
que já tinha escrito, soube que os três primeiros versos estavam ali representados.“E
onde está escrito mão?”, indagou. Os dois se entreolharam. Um deles mostrou: “NU”.
“Com que letra começa ‘mão’?”, perguntou Mariluci. “Com M!”, respondeu o outro
aluno. “Não está faltando letra nesse verso, então?”, questionou ela, liberando os dois
para discutir os próximos passos. Permitindo que os alunos trabalhem em dupla, ela
deixa de ser a única informante válida na classe e ganha mobilidade para dar atenção
a quem precisa de mais ajuda.
Para os alfabéticos – que vão se tornando mais numerosos com o passar do ano –,
essa atividade tem outro objetivo, já que eles sabem escrever. Trabalhando entre si,
eles devem melhorar a ortografia e a segmentação – é comum escreverem as
palavras corretamente, mas juntando umas às outras. Quando passa nesses grupos
para acompanhar o andamento da tarefa e vê que há erros ortográficos, Mariluci
convida os estudantes a consultar o dicionário.Assim, ela não corrige, mas ensina a
buscar a grafia correta.
Momentos de leitura e escrita individuais também fazem parte do planejamento porque
é necessário que cada aluno tenha espaço para desenvolver as próprias idéias. Isso
acontece, por exemplo, no cantinho de leitura, que a turma freqüenta diariamente, nos
intervalos entre as atividades ou nos momentos especialmente destinados a isso.
É nesse espaço que ficam reunidos materiais como livros, jornais, folhetos de
propaganda e enciclopédias. “Ofereço uma diversidade de textos à qual eles
dificilmente teriam acesso”, diz a professora (leia mais no quadro). Toda semana, as
crianças podem escolher uma obra e levá-la para casa com a recomendação de ler
com os familiares. A importância desse momento é enfatizada nas reuniões de pais,
em que Mariluci os incentiva também a acompanhar o progresso dos filhos pelos
cadernos. “Digo que as crianças vão sentir que o empenho em aprender está sendo
reconhecido.”
Teoria
ACESSO À DIVERSIDADE DE TEXTOS
Para grande parte das crianças brasileiras, a escola representa o único meio de
contato com o universo da escrita. Assim, cabe a você garantir a elas o acesso à
maior diversidade possível de textos – literatura, reportagens, manuais de instruções,
anúncios publicitários etc. Mais do que isso, é necessário apresentá-los no contexto
em que são utilizados. Só assim os estudantes saberão como lidar de maneira
adequada com cada um deles no dia-a-dia. “A criança deve saber que, socialmente,
textos literários costumam ser lidos por prazer, diferentemente de um manual de
montagem de um produto, que tem o objetivo prático de fazê-lo funcionar
corretamente”, afirma Beatriz Gouveia.
Nas aulas, é necessário mostrar que um livro de literatura se lê passando página por
página e olhando as ilustrações até chegar ao fim e que um dicionário – que também
tem a forma de um livro – é útil para verificar a grafia das palavras. Já o jornal pode
ser consultado, por exemplo, quando se quer ler uma notícia. Até mesmo o rótulo de
um produto pressupõe comportamentos leitores específicos: ali podem ser buscados
os ingredientes e o valor nutricional.
Sua tarefa é formar pessoas que tenham familiaridade com a leitura e seus propósitos,
ou seja, que compreendam o que lêem e enxerguem nela uma maneira de se informar
e se desenvolver pessoalmente
No dia em que a garotada traz os livros de volta para a classe, ela organiza uma roda
de conversa e até quem ainda não está alfabetizado conta a história para os colegas,
como se estivesse lendo. “A criança que lê sem estar alfabética não está brincando de
faz-deconta. Ela está se apoiando na experiência do professor e no conhecimento da
postura de quem lê”, explica Francisca Maciel. Ou seja, imita um gesto porque já sabe
que ele faz sentido e é parte do aprendizado.
Desenvolver esse comportamento leitor só é possível com atividades diárias.Ninguém
vai saber como são escritas (e como se leem) uma notícia de jornal ou uma receita de
bolo se nunca tiver ouvido uma antes. Por isso, mesmo quem não sabe escrever
convencionalmente é capaz de ditar um conto de fadas (leia o quadro). A prática de
tantas atividades, aliada à atenção constante ao desempenho de cada um, tem feito
os alunos de Mariluci avançar. Ela iniciou o trabalho, em março, com o seguinte
quadro: seis dos 32 estavam no nível pré-silábico, 14 eram silábicos sem valor sonoro,
oito silábicos com valor sonoro e só quatro silábico-alfabéticos.
Atividade
Ditado para escriba
O que é: a turma cria oralmente um texto num gênero específico – conto, carta,
bilhete, receita, notícia etc. –, mesmo sem estar alfabetizada, e a professora escreve
no quadro. É condição didática para a atividade as crianças conhecerem o gênero.
Dessa forma, mesmo sem saber definir o que são uma carta ou um conto de fadas, a
criança sabe diferenciá-los.
Quando propor: várias vezes por semana. Sempre que o uso da escrita se fizer
necessário no dia-a-dia da sala de aula (escrita de bilhetes, convites etc.) e no
desenvolvimento de projetos de leitura e escrita.
O que a criança aprende: ela se aprimora na linguagem escrita ao adaptar a
linguagem oral (mais coloquial) às exigências de um texto no que se refere às suas
características. Há ainda o trabalho de revisão dessa produção, eliminando palavras
repetidas.
COMO MARILUCI TRABALHA
Proposta da atividade: antes de convidar a turma a produzir coletivamente um conto
de fadas já conhecido, Mariluci faz um aquecimento, pedindo que todos relembrem as
características do gênero. O conto geralmente se passa num tempo distante e num
local indefinido e traz adjetivos como “belo” e “terrível”.
A escrita de Chapeuzinho: na hora em que Mariluci pediu para a garotada ditar
Chapeuzinho Vermelho, logo apareceram exemplos de expressões e vocabulário
adquiridos com as leituras feitas por ela em classe. O começo, como era de esperar,
foi “era uma vez”. Como a garotada já conhecia o enredo, o desafio era organizar as
sugestões, fazendo perguntas para que a turma recontasse a história ditando na forma
de texto. Enquanto escrevia no quadro, ela garantia que todos articipassem.
Revisão e conclusão: durante a escrita, Mariluci propõe diversas discussões com os
alunos. Expressões típicas da linguagem oral, como “e daí”, são substituídas por
“depois” ou simplesmente retiradas. Esse tipo de atividade é importante para que a
garotada, mesmo sem dominar ainda o sistema de escrita, aprenda a compor um texto
escrito, seja ele de que gênero for. No fim, ela propõe a releitura e a revisão do que se
escreveu para identificar possíveis erros e também formas de melhorar o texto.
No fim do primeiro semestre, eram 31 crianças – uma foi transferida – na seguinte
situação: uma pré-silábica, 13 silábicas com valor sonoro, três silábico-alfabéticas e 14
alfabéticas. Seu compromisso é chegar em dezembro com todos os alunos
alfabetizados, como tem ocorrido nos últimos anos, aliás. Inspirar-se no exemplo de
Mariluci (e das outras professoras que aparecem no site) é fundamental para o Brasil
superar o atraso educacional– e passar a acreditar que há esperança para nossas
crianças.